sábado, 3 de dezembro de 2011

Globalizações Possíveis: Novas Alternativas de Trabalho Na Contemporaneidade

Ensaio realizado sobre as relações de trabalho no mundo contemporâneo, com o objetivo de analisar e refletir alguns dos problemas encontrados. Este trabalho foi apresentado ao Curso Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades, no componente HACA 34 - Estudos Sobre a Contemporaneidade. Orientador Específico: Mauricio Matos



Quais adventos históricos foram essenciais para a mudança das relações do trabalho? O que os sistemas econômicos influenciaram? A modernidade foi essencial para chegarmos com novas categorias do trabalho na contemporaneidade. O mercado de emprego ao serviço dos donos dos meios de produção fundamentalmente mudou e ficou mais complexo, presenciamos modelos altamente excludentes de uso da tecnologia na ponta da hiperespecialização convivendo com iniciativas de construção popular da economia solidária aplicando a mesma tecnologia a serviço da inclusão. Cada um com seus próprios valores e ferramentas. De um lado a fragmentação, a terceirização, flexibilização a serviço da busca do lucro cada vez maior; e na reação a este modelo, as redes de apoio solidário, a educação da práxis, pressão por políticas públicas para um modo de produção baseado no trabalho para a manutenção e crescimento da coletividade, para o bem comum, que busca outra possibilidade revolucionária. Será que o problema está na tecnologia e na poupança do trabalho humano que ela implica, ou no monopólio da tecnologia, este concentrado nas mãos dos capitalistas favorecidos por governos e políticas neoliberais que os apóiam?
Desde o século dezesseis, modificam-se a visão de tempo e do trabalho. A queda do sistema feudal resultou em um novo sistema econômico, na reforma protestante, em novas práticas comerciais e em uma nova classe que entrou em ascensão (a burguesia). Martinho Lutero6, um dos principais nomes do protestantismo, evidência o indivíduo sendo responsável pelo seu próprio tempo vivido particular. Logo, a necessidade de trabalhar duro torna-se virtude devido à idéia de ética atrelada ao trabalho – este pensamento surge com o Calvinismo que dizia que o homem, para mostrar seu valor, deveria sempre continuar tentando alcançar esta “virtude” através do trabalho. Para Marx Weber, através desta autonegação é que se iniciam as práticas do capitalismo, com base na acumulação de riquezas onde é preciso poupar mais e gastar menos, gerando competição entre os homens. Tudo isto vêm a reforçar a condição que temos até os dias atuais nas sociedades humanas: o sentimento de dignidade relacionado ao trabalho. Condição esta que modificou todos os eixos sociais. “O que engrandece e enobrece o homem é o trabalho” afirma Calvino, criador dessas condições que possibilitou o aparecimento do capitalismo moderno.
O pré-modernismo possuía essa antiga ética do trabalho, um mundo de passível estabilidade onde se trabalhava e idealizavam-se projeções através do acumulo do seu salário ou lucro onde a realização e satisfação era algo para se buscar. Esse “[...] adiamento é interminável, a autonegação no presente inexorável, as recompensas prometidas jamais chegam” (SENNETT, 1999, p.123). As instituições eram sólidas, existia-se uma rotina, as suas experiências significavam muito para o trabalhador, moldavam a história como se tivessem conquistado algo. O “eu” trabalhador era o dilema: ele era responsável por suas conquistas e por suas realizações, se não o conseguisse é porque não era tido como digno.
O Modernismo e sua nova economia política aceleraram o tempo; o Fordismo e o Taylorismo fizeram os indivíduos trabalharem em grupo e criar um novo perfil de funcionários - destrói-se a burocracia e inicia a flexibilidade. As instituições procuram se inovar adotando a tecnologia como forma de ampliação de controle onde o objetivo é colocar tudo cada vez mais rápido, variando o mercado e criando produtos com maior fluidez das informações. Outra característica é a concentração de poder sem centralização, o poder em vários grupos, mas concentrada em um só. Sennett ressalva que:

“A moderna ética do trabalho concentra-se no trabalho de equipe. Celebra a sensibilidade aos outros, exige “aptidões delicadas”, como ser bom ouvinte e cooperativo; acima de tudo, o trabalho em equipe enfatiza a adaptabilidade às circunstâncias. O trabalho de equipe é a ética de trabalho que serve a uma economia política flexível... o etos do trabalho permanece na superfície da experiência. O trabalho de equipe é a prática de grupo da superficialidade degradante. (SENNETT, 1999, p. 118).


O cenário consiste então, em indivíduos cada vez mais treinados, sua disciplina precisa se adaptar a um fluxo, as qualificações básicas: verbais e saber lidar com tecnologia, deter de um perfil de simpatia e carisma para o trabalho em equipe, apesar de cada um com suas especializações e individualidades, agem como ‘aldeias’ cada um exerce uma tarefa, assim no fim do trabalho todos são teoricamente responsáveis pela produção, pois surge a ideia fictícia de que chefes e trabalhadores não são antagonistas; o chefe passa a ser o ‘líder’, o administrador, o treinador. Logo, temos a fantasia de que todos seriam vitimas - a dominação de todos os funcionários legitima, sem a precisão de autoridade. As regras em jogo do trabalho em equipe são feitas à medida que prosseguem os resultados do saldo final. Não existem mais manuais, mas todos enfatizam o desempenho imediato e o curto prazo. Apesar dessa flexibilidade de regras e medidas, todos procuram e zelam pela manutenção da natureza fundamental do sistema e pela organização básica da estrutura de poder das empresas.
A tecnologia seria então um dos maiores modificadores sociais. Vem como forma de ampliar o controle sobre um número maior de subordinados, diminuindo o numero de administradores, reduzindo empregos e gerando desigualdades. O retorno financeiro, para as empresas, muitas vezes não é rentável - a organização acaba perdendo o rumo com tanta instrumentalização. Para acelerar a produção, foi fundamental colocar, cada vez mais rápido, uma maior variedade de produtos no mercado e aumentar a rapidez das comunicações para fornecer informações atualizadas de mercado. Hoje, essa flexibilização não se concentra apenas no jogo e nas medidas para alcance da finalização de um projeto. O novo capitalismo destrói a linha do tempo, a rotina concentra-se apenas no trabalho, a vida particular é moldada através da atividade profissional que exerce. O individuo não tem a segurança de um emprego apenas com uma especialização, este precisa se adequar ao mercado, sempre em ciclos de mudança, exercendo uma função em um dia e, no outro, sendo capacitado a outro seguimento. Esse mundo de incertezas vem criando uma reorganização. O caráter que tanto se prezava com os antigos sociólogos, como Marx Weber, é destruído. Destacam-se as ironias e ficção, contribuindo para a estagnação da cidadania, perda dos laços sociais, crises políticas e econômicas.
O ser humano na pós-modernidade vem vivenciando cotidianamente contínuas sensações de insegurança, relacionadas e presentes nos seus meios sociais. As formas de analisar, vivenciar, refletir sobre o mundo que o cerca, suas relações afetivas, relações eu – outro, eu- eu, vêm se alterando de forma altamente perceptível nos dias contemporâneos. O ser humano experimenta, cada vez mais, uma aceleração do tempo social, ouve-se cada vez mais a frase: “eu não estou cabendo no meu dia” ou “ o dia para mim deveria ter trinta horas”, e também essa, “nossa, tudo mudou de dez anos pra cá, parece que passou muito mais do que isso, parece que foram vinte anos em dez, antigamente não era assim”. Variados fatos, modos de organização social, acarretam esses pensamentos. Novos meios de comunicação diminuíram, ou em alguns casos aniquilaram, a questão de tempo-espaço. O evento de 11 de setembro pôde ser visto simultaneamente em diversos lugares do mundo. A internet vem mudando o modo como as pessoas encaram as relações sociais, físicas, afetivas entre outras, encurtando distâncias e promovendo trocas antes impensáveis. O trabalho não é mais o mesmo exercido, novos produtos são criados, ao mesmo tempo em que também são criadas novas vontades e necessidades, como incentivos ao consumo etc.
A análise de David Harvey, geógrafo marxista britânico, para quem “O espaço e tempo são categorias básicas da existência humana” (HARVEY, 1989, p. 187), e estas “... são criadas necessariamente através de práticas e processos materiais que servem à reprodução da vida social” (HARVEY, 1989, p. 189), nos indica que essa nova estruturação social vem mudando o modo como os indivíduos que nela se encontram, reavaliem de outra forma a questão de tempo-espaço, construindo sua ação de acordo a esta nova realidade.
O modelo de organização trabalhista estruturado pelo capitalismo pós-guerra, modelo este inaugurado pelo empresário Henry Ford na década de 1910, que atingiu seu apogeu no período iniciado após a Segunda Guerra Mundial e que se estendeu até a década de 1970, intitulado Fordismo, tinha a clara percepção que o consumo de massa só adviria da produção em massa. Esse sistema de produção “[...] que se apoiava tanto na familiarização do trabalhador com longas horas de trabalho puramente rotinizado, exigindo pouco das habilidades manuais tradicionais e concedendo um controle quase inexistente do trabalhador sobre o projeto, o ritmo e a organização do processo produtivo.” (HARVEY, 1989), entrou em declínio.
Aquela sociedade industrial necessitava de um modelo de trabalhador dotado de autocontrole, de pouco pensamento crítico e capaz de desenvolver sua função sobre rotinas preestabelecidas de trabalho.  Influenciado pela ética protestante, que muito superficialmente se caracteriza como modo do indivíduo mostrar seu valor a Deus pelo trabalho, adiando os prazeres imediatos pensando e visando, uma recompensa maior no futuro; este trabalhador respondia às necessidades do capitalismo, ainda que para isso comprometesse sua vida e saúde.  “A seriedade da velha ética de trabalho impunha pesados fardos ao eu trabalhador: As pessoas tentavam provar seu próprio valor pelo trabalho” (SENNET, 1998, p.118). Mas neste modelo de trabalho, ainda que segmentado, era possível àquele que o executa ver o produto final para qual sua parte contribui. Por outro lado, em um ambiente onde centenas ou milhares de trabalhadores se reúnem é possível também estabelecer laços de identidade e de organização.
 Esse modelo vigente durante boa parte do sec. XX entrou em declínio fazendo com que o trabalhador, principalmente o trabalhador industrial que o movimentava, ficasse sem saber o seu lugar no mundo.  No novo modelo a individualização dos trabalhadores, gerou o enfraquecimento da organização coletiva e relegou ao abandono os segmentos mais frágeis da força de trabalho. Como as máquinas que o serviam, o trabalhador fordista tornou-se obsoleto e, como realizavam tarefas altamente rotinizadas sem agregar valor intelectual, o emprego de boa parte da classe foi substituído por máquinas automatizadas que, usadas a favor da classe dominante, reduziu aquele trabalhador à simples tarefa de ligar e desligar a máquina, vigiar o seu processo produtivo e etc.

“Desde que uma atividade seja feita do mesmo jeito muitas vezes, não é difícil criar um autômato, robô, para nos substituir nessa atividade, e nós passamos a ser, meramente, as pessoas que põem em ação o robô e o aparelho, e assim por diante, e o desligam depois de terminada tarefa.” (SINGER, 1999, p. 58).

Logo, as mudanças nas relações de trabalho são iminentes, partindo da nova estruturação do mundo moderno e aceleradas por diversos fatores - principalmente após a crise capitalista de 1973 e a queda do socialismo em 1989, fatos que trouxeram transformações radicais em todo o mundo. Dentro da lógica do neoliberalismo, com esse novo tipo de modelo trabalhista, as classes dominantes se aproveitaram para aumentar os seus lucros com a alegação de que a tarefa do trabalhador era mínima. Obviamente que os salários para quem executa essa função foram altamente reduzidos, os sindicatos trabalhistas enfraquecidos, e o trabalhador indignado com as mudanças em seus meios.
Essa chegada da automação, retirando a segurança social característica do Fordismo, alterou toda a organização social existente até então. Aquele trabalhador dotado de ética protestante, que via identificação e segurança no seu trabalho “perdeu seu chão” e assim, todas as relações sociais de trabalho sofreram alterações tornando-as altamente flexíveis, impessoais, dotadas de uma nova ética e etc.
“A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do Fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças  dos padrões do desenvolvimento desigual[...]” (HARVEY, 1989, p. 140).

 Aos seres humanos insatisfeitos, mas sem meios para alterar esse tipo de desenvolvimento cruel para o trabalhador e altamente produtivo para as classes dominantes, surgiram, às suas disposições, entre outras coisas, os novos empregos criados pelo novo sistema de consumo. O setor de serviços cresceu notavelmente ocasionando uma corrida cada vez maior pelo conhecimento dirigido para determinadas novas tarefas em ascensão, procuradas para a satisfação e realização profissional no presente e não mais no futuro como o trabalhador fordista acreditava. Assim, até os dias atuais, os novos trabalhadores buscam conhecimento especializado para as áreas de valorização, visando um bom emprego, que por conta do seu conhecimento, muito dificilmente será automatizado.
É a sociedade do conhecimento que começa a prevalecer, já que neste contexto a acumulação da riqueza, assim como a conquista e manutenção do poder, já não depende tanto de quem possui as terras e as máquinas, mas daqueles indivíduos ou sociedades que detém a capacidade tecnológica, cujo principal elemento é a tecnologia da informação – em destaque temos a possibilidade de formação de redes.
“As novas tecnologias da informação desempenharam papel decisivo ao facilitarem o surgimento desse capitalismo flexível e rejuvenescido, proporcionando ferramentas para a formação de redes, comunicação à distância, armazenamento/processamento de informação, individualização coordenada do trabalho e concentração e descentralização simultâneas do processo decisório.” (CASTELLS, 1999, p.412)
Uma realidade dessa presente forma de ver o trabalho é explicada pelo novo conceito da hiperespecialização, processo que seria inimaginável em qualquer modelo de produção anterior. Empresas intermediárias especializadas, como a Top-Coder, contratada para um projeto de TI, toma este projeto, o divide em pedaços e os oferece mundialmente a programadores freelancers como um desafio competitivo. Por exemplo, um projeto pode começar com um primeiro concurso para gerar uma nova idéia de software. Um segundo concurso poderia pedir uma descrição de alto nível dos objetivos do projeto vencedor e desafiar os especialistas a criar um documento que melhor traduziria estes objetivos em um detalhado sistema de requerimentos necessários. Este vencedor, o documento com as especificações, é a base para um novo concurso, no qual outros especialistas completam o desenho com a arquitetura do sistema, especificando as partes requeridas a este software e as conexões. Outros concursos são lançados para cada uma destas partes separadamente. Finalmente, outros programadores competirão para integrá-las e depois outros para encontrar e corrigir vírus nas diversas partes do sistema. Podem chegar a 300mil especialistas trabalhando em mais de 200 países, super rápido, pois cada um só se dedica àquilo que conhece bem e a um custo que pode ser apenas 25% em relação ao método tradicional, já que a empresa só paga ao vencedor de cada etapa.
Este processo já está ocorrendo não somente nos níveis que exigem altíssima tecnologia, como o exemplo do software ou empresas de pesquisa farmacêutica; mas também nos níveis mais baixos ou intermediários como a tradução de um livro, e em qualquer situação representa uma economia enorme para as empresas que o utilizam. Segundo os autores de um artigo publicado na revista “Harvard Business Review”, a hiperespecialização é inevitável devido à qualidade, rapidez e vantagens no custo que oferece aos empregadores – e ao poder que dá a indivíduos de dedicarem horas flexíveis a tarefas de sua livre escolha. A hiperespecialização é somente uma das latentes realidades encontradas nas relações contemporâneas, que é altamente lucrativa para as empresas que só pagam um ganhador, e que destrói a relação de ética, fazendo com que esse novo trabalhador se comporte de forma individualista reforçando os princípios da competitividade e do egoísmo. Como os subalternos desta nova ordem econômica podem organizar-se em uma força contrária, conscientes dos avanços e novas demandas da sociedade globalizada? Um desafio vital, social e intelectualmente falando, é como fomentar uma nova maneira de pensar as sociedades e o mundo dos negócios globalizado, trazendo para esta equação as questões de responsabilidade social na reorganização dos mercados.
A partir dos anos 90, os grupos de trabalhadores passaram a ver nas associações autogestionárias e solidárias, e em cooperativas, um arranjo capaz de responder às suas necessidades. Buscavam promover a mobilização e a formação de lideranças para gerar trabalho e renda e possibilitar a transformação da realidade social excludente.  Enquanto o “capital” é investido em tecnologia e busca novas formas de exploração e novos aproveitamentos de matérias primas, o movimento da “economia solidária” (que pode ser ilustrado pelas cooperativas de trabalho, por exemplo) desenvolve meios de adentrar-se nas sociedades neo-liberalistas e também democratizar a tecnologia, já usada demasiadamente pelas empresas globais a seu favor. O “capital”, o “mercado”, ou como queira chamar, não exerce necessariamente um monopólio das técnicas que a cada dia se renovam, mas faz com que a distribuição da tecnologia seja mais um meio de produzir lucro: alto custo das inovações para a população e uma exclusividade inicial adquirida pelas empresas globais através do capital e que marginaliza os excluídos dos avanços oferecidos pelas ferramentas da Tecnologia da Informação e Comunicação (TICs). 
A tecnologia em si não se configura como vilã frente à lógica coletiva da economia solidária, pelo contrário, ela facilita o que seria uma produção de “subsistência” (ou melhor, ainda, de satisfação pessoal) dos seus integrantes, mas a falta de investimento na economia solidária impossibilita a aquisição de novas tecnologias (produzidas em grande parte para os meios de produção capitalistas), o que faz das “cooperativas” e “conglomerados solidários”, obsoletos em relação ao mercado neoliberal. A falta de investimento nas cooperativas provenientes da economia solidária é citada com destaque por Paul Singer:

“Está comprovado que cooperativas de espécies complementares podem formar conglomerados economicamente dinâmicos, capazes de competir com conglomerados capitalistas. Mas, as cooperativas carecem de capital. É o seu calcanhar-de-aquiles. Se o movimento operário, que partilha o poder estatal com o capital, quiser alavancar o financiamento público da economia solidária, a cara da formação social vai mudar. Um novo modo de produção pode se desenvolver, este capaz de competir com o modo de produção (capital).” (SINGER, 1998, Uma Utopia Militante: Repensando o Socialismo, p. 82).


Esta realidade também tende a se modificar, à medida que os trabalhadores se organizam e que a sociedade também demanda e cobra outro papel das universidades como espaços de pesquisa e ciência. Uma das boas iniciativas data de 1995, “[...] com a criação da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares, pela COPPE-UFRJ, estabeleceu-se um marco na história do Cooperativismo Popular no Brasil, contribuindo para a difusão e o fortalecimento deste movimento no país.” (GUIMARÃES, G.). Hoje as ITCPs estão espalhadas pelo Brasil, com maior ou menor grau de penetração popular, oferecem cursos de informática e para o uso das diversas ferramentas da Internet, gestão solidária, programas que oferecem assistência legal, tecnológica, educação à distância; a idéia é promover a troca de informação, tecnologia e experiências entre incubadoras, cooperativas incubadas e demais interessadas. Todos os programas se baseiam em quatro eixos estruturais: cooperação, autogestão, atividade econômica e solidariedade.  
  Apesar destas dificuldades, existem projetos que estreitam os abismos tecnológicos entre o “mercado” e a “economia solidária”, ou mesmo tentam garantir uma democratização tecnológica para a população, como no caso do “Software Livre”.  O Software Livre é um projeto idealizado por Richard Stallman (programador do MIT, Instituto de Tecnologia de Massachussets, nos EUA), no qual se prioriza basicamente o livre acesso dos usuários de computadores a softwares bem como a utilização prevista nas quatro regras do “Software Livre”, sendo estas: liberdade de utilizar os programas para qualquer propósito; liberdade de estudar como o programa funciona, e adaptá-lo para as suas necessidades (sendo que o acesso ao código-fonte é um pré-requisito para esta liberdade);  liberdade de redistribuir cópias de modo que você possa beneficiar o próximo e, por fim, a liberdade de aperfeiçoar o programa, e liberar os seus aperfeiçoamentos, de modo que toda a comunidade se beneficie. Essa distribuição da tecnologia lógica (que são os softwares) influencia diretamente na democratização da tecnologia, abrindo espaço para uso daqueles que antes não possuíam capital para aquisição, ao passo que também instrui o uso consciente dos programas.
 O mundo se encontra na situação em que o computador, e a internet são peças chaves tanto economicamente quanto ideologicamente, e já existe o advento de um paradigma cada vez mais “automatizado” das formas de trabalho. Políticas de distribuição de tecnologia e conhecimentos técnicos, atreladas à lógica da economia solidária, preparam o terreno para as gerações que irão de encontro com os princípios políticos voltados a mera acumulação de capital, seja através do neoliberalismo, ou outro modelo, admitindo nome e “roupagem” diferentes.
Um dos problemas da sociedade capitalista contemporânea foi pensar a política, a sociedade e a economia em compartimentos separados. E a economia não raras vezes era compreendida como se fosse governada mecanisticamente por sua própria racionalidade, orientada pelo mercado, o que se acreditava fosse benéfico. Até mesmo a tecnologia, controlada pelo mercado, veio a agravar a cisão de um lado a classe dos ricos em informação, os alfabetizados digitais, os que podem “participar” e de outro, os sem-informação, os analfabetos digitais e os excluídos. Sem dúvida alguma o problema não está na tecnologia e na poupança de trabalho humano que ela implica, mas no monopólio da tecnologia nas mãos dos capitalistas favorecidos por governos e políticas neoliberais que os apóia, que tem se resumido à busca mais eficiente da obtenção do lucro, motor da lógica de acumulação.    
Nesta perspectiva os seres humanos, desprovidos do seu próprio capital humano e criativo e dos meios de produção, são submetidos pela violência ou pela falta de opção e transformados em mais uma ferramenta para o enriquecimento de poucos. O trabalho deixa de ser criação para ser apenas relação com o dono e o trabalhador é alienado de sua força de trabalho, de sua criatividade e do próprio produto que produziu. E, pelos processos mais recentes de atomização da divisão do trabalho, nem mesmo tem conhecimento do que será o produto final.
A economia solidária, as experiências de comércio justo, as cooperativas com todas as suas dificuldades vêm reiterar que há outros caminhos possíveis, e várias práticas têm demonstrado que a esta lógica do lucrar sem produzir pode ser contraposta uma outra baseada em valores cidadãos. Se houver vontade política e organização das forças populares, um sistema alternativo de economia social baseado na solidariedade humana pode ser, e tem sido introduzido. Contrapondo-se à “ideologia do Eu-sem-nós e à competição entre Eus individuais e coletivos.” (ARRUDA, 2009, p.49), um sistema que reconhece a importância do desenvolvimento tecnológico, mas que potencializa a nova tecnologia como motor de promoção de trabalho e prosperidade para todos. 













REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:



ARRUDA, Marcos. Educação para uma Economia do amor – Idéias & Letras, Aparecida, SP, 2009.

CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: economia, sociedade e cultura, vol. 3, São Paulo: Paz e terra, 1999, p. 411-439.

GUIMARÃES, G. Os ossos do ofício: cooperativas populares em cena aberta. Rio de Janeiro, Espalha Fato, 1998. Disponível para download em www.itcp.coppe.ufrj.br Acesso em 2 de dezembro de 2011.

HARVEY, David, A condição pós-moderna, São Paulo, 1989.

HECKERT, A. Aurélio. Economia Solidaria. Software Livre. Movido de Economia Solidaria. O Que É Software Livre. Disponível em: http://wiki.softwarelivre.org/EconomiaSolidaria/SoftwareLivre Acesso em 2 de dezembro de 2011.

SENNETT, Richard. A Corrosão do Caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 1999.

SINGER, Paul. Uma Utopia Militante: Repensando o Socialismo, Brasil, 1998.

SINGER, Paul. A crise das relações de trabalho. In: CARVALHO NETO, A. M. NABUCO, M. R (orgs.) Relações de trabalho contemporâneas. IRT, PUC/Minas, 1999.

SINGER, Paul. Globalização e desemprego: diagnóstico e alternativas. 3º ed. SP: Contexto, 1999.

WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 4 ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1985.

Artigo The Age of Hyperspecialization – by Thomas W. Malone, Robert J. Laubacher and Tammy Johns. Harvard Business Review- July-August 2011).


Autores: Francini Ramos, Júlio Cézar Filho, Pablo Paiva, Paula Santos e Ramon Maia

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