terça-feira, 29 de novembro de 2011

SUBALTERNIDADE NO CINEMA BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO - POR GISMAR JUNIOR


A inversão dos papéis, não inverte a condição.
“Salve Geral”




Introdução


O subalterno¹ é reproduzido o tempo todo no cinema brasileiro e não haveria de ser diferente, pois vivemos em uma sociedade contemporânea múltipla e que envolve posições de subalternidade. Posições essas, que são mantidas através de discursos hegemônicos, operado pela elite, pela televisão, ou através de discursos solidários pelo Brasil a fora. O cinema brasileiro é o espelho dessa sociedade. Esse ensaio consiste em analisar a questão da subalternidade no cinema brasileiro, que se mantém escondida aos olhos da maioria dos telespectadores. Tentarei mostrar a relação de poder que gira em torno desse assunto em um fato muito curioso que observei dentro do filme “Salve Geral” - (2009),  filme escolhido minha análise.

Nosso Cinema Contemporâneo

O filme é do diretor Sergio Rezende, cineasta brasileiro que já dirigiu vários filmes importantes como Lamarca e Guerra de Canudos. O cineasta opta por uma visão política dentro do contexto do filme, mostrando a precariedade do sistema carcerário, da segurança do estado, mostrando a corrupção da polícia, de advogados, de magistrados e frisando o poder que possui o crime organizado no Brasil. Apesar de ser baseado em fatos reais, o filme não deixa de ser um simulacro², cheio de glamour e recheado de sofisticação.  
Essa estética sofisticada, introduzida pelo diretor segue as mudanças que ocorreram na linha de representação cultural no cinema brasileiro no final dos anos de 1990 e início dos anos 2000, onde ocorre uma glamorização dos assuntos periféricos, uma glamorização do subalterno, como cita Angela Prysthon:

Poderíamos dizer que, por mais estranho que possa parecer, vem sendo sistematicamente instituído um cânone da periferia nas artes do país – uma espécie de espetacularização da subalternidade. Especialmente a partir da segunda metade dos anos 90, ficou patente a necessidade de inserção de várias periferias brasileiras no centro do debate cultural [...] (Angela  Prysthon - O subalterno na tela: Um novo cânone para o cinema brasileiro?)

 A partir desse período o conceito de subalterno foi trabalhado de outra forma, deixando de ser meramente o “subalterno habitual” (invisível, sem voz, sofrido, pobre, inofensivo, ligado a idéia de lugares subdesenvolvidos – como foi apresentado, por exemplo, na década de 60 no filme “Deus e o Diabo na terra do Sol” - de Glauber Rocha), passando a ocupar o lugar de “subalterno complexo” (ligado ao contexto urbano, a idéia de crime, de tráfico de drogas, possuidor de arma de fogo, ofensivo, visível – ao exemplo do filme de 2002, “Cidade de Deus” – de Fernando Meirelles). Essa mudança da apresentação do subalterno no cinema brasileiro acompanha a mudança histórica social brasileira. O Brasil dos anos 60 não é o Brasil de hoje.
 Assim como em “Cidade de Deus” no filme “Salve Geral” A idéia principal do autor não é meramente ilustrar a realidade, mas sim conceber um produto altamente mercadológico, de sucesso, voltado para o consumo da classe média.

Salve Geral
O Dia em que São Paulo parou.

 Baseado em fatos reais, o filme aborda os acontecimentos ocorridos no estado de São Paulo na noite de 12 de maio de 2006, onde a organização criminosa PCC - “Primeiro Comando da Capital”, inicia uma onda de ataques em toda cidade, contra as forças de segurança e a população civil.  O filme gira em torno da personagem principal, Lúcia - vivida pela atriz Andréia Beltrão - uma viúva de classe média, professora de piano, formada em direito, que passa por dificuldades financeiras. Ela tenta o tempo todo em retirar seu filho Rafael  da cadeia – vivido pelo ator Lee Thalor – um garoto de 18 anos, que acaba sendo preso por cometer um assassinato. Durante a trama do filme, Lúcia tendo seu filho preso, acaba fazendo freqüentes visitas à penitenciária onde conhece Rúiva (Denise Weinberg), que também é advogada, porém, advogada do PCC. As duas iniciam uma amizade e como Lúcia passa por dificuldades financeiras acaba aceitando a proposta de se sujeitar a várias missões ligadas à organização criminosa, chegando até a se envolver sexualmente com um dos lideres da facção, o Professor - vivido na pele do ator Bruno Perillo, que é um dos principais chefões do PCC juntamente com os personagens Chico e Pedrão - sendo esse último considerado o líder majoritário – representados pelos autores Eucir de Souza e Guilherme Sant'anna.  
Enquanto isso, uma luta interna pelo poder do “Partido” - que é uma denominação da organização criminosa – ocorre por divergências entre os pensamentos dos chefões. Essa luta é ampliada pelo confronto dos presos com o sistema carcerário. Os ataques têm inicio quando o governo decide transferir de uma só vez centenas de presos para uma prisão de segurança máxima no interior do estado incluindo os chefões. Inicia-se assim, em pleno dia das mães, sob as ordens do Primeiro Comando da Capital, uma das maiores demonstrações de poder, terror e violência nunca antes vista no estado de São Paulo.
 O subalterno complexo é o tipo de subalterno que está presente em todo o contexto do filme “Salve Geral”. Podemos notar essa complexidade, por exemplo, na personagem “Rúiva”, que por um lado, sendo advogada bem sucedida, tem o reconhecimento e o poder de fala perante a sociedade, mas também ocupa o lugar de subalternidade perante Partido, pois está sujeita aos comandos do mesmo e podendo ser morta pela organização a qualquer momento, mesmo os servindo. O mesmo se aplica à personagem principal “Lúcia” que ao trabalhar para “O Partido” assume a posição de subalterna complexa. Complexa, porque assim como “Rúiva” ela tem livre acesso aos presídios, poder de fala, reconhecimento social por também ser advogada. Já o personagem “Rafael” logo que é preso, entra numa condição de subalternidade, porém, assim como a maioria dos presos, “Rafael” a priori, assume a condição de subalterno habitual, pois não possui nenhum poder de voz dentro do presídio, ficando sob as ordens dos presidiários mais antigos, entretanto, quando se envolve internamente com Partido passa também a ser considerado um subalterno complexo. Para minha análise, tomarei como foco um momento específico do filme, e não somente um personagem. É o momento em que o Estado se encontra incapacitado perante os fatos, que a meu ver é um fato muito curioso.

A inversão dos papéis

Para maior entendimento sobre a questão que quero colocar é necessário primeiro a compreensão de que a subalternidade é uma condição social, porém não é dura, estática, não somos subalternos oficialmente. Podemos dizer também, que a subalternidade é uma condição relacionária, pois pressupõem sempre uma relação cujos significados só são colocados a partir de determinadas circunstancias, ou seja, é uma relação de poder com o outro, ao exemplo da relação “professor e aluno” - o professor em sala de aula, ocupa uma posição de “superioridade” tendo assim seus alunos como uma espécie de “subalternos” a essa condição, entretanto, essa posição muda ao saírem da sala, pois a relação exercida fora desse ambiente, não é mais uma relação de superioridade – basta mudar a circunstância para que mude essa relação de poder.
No Brasil essa relação está ligada totalmente a questão da classe social. Essa relação entre classe media (elite) e classe “popular” (classe trabalhadora) é uma relação de poder, mas não apenas da primeira sobre a segunda, como também o inverso, pois o poder é móvel. Analisemos dessa forma: Coloque o “Estado” como representação da classe média e os chefões do PCC como representação da classe popular. No contexto do filme o Estado é representado pela polícia, que se vê sem alternativa alguma para controlar as rebeliões que acontecem simultaneamente em vários presídios e muito menos controlar os ataques que tomam conta da grande São Paulo, resolvendo ceder a uma negociação com os chefões do PCC - O Partido - que por sua vez, foram os autores do caos que ocorria no momento. Agora tomemos como base, a citação de SPIVAK que diz :   

 [...] representação estão correndo juntos: representação
como “falar por”, como na política e representação como
“re-presentar” como na arte ou filosofia. Uma vez que a
teoria também é apenas ação, o teórico não representa o
(falar por) dos grupos oprimidos. [… ] Este dois sentidos
de representação dentro do estado de formação e da lei,
por um lado, e a predição do sujeito, por outro lado, estão
relacionados, mas irredutivelmente descontínuas.
(SPIVAK. Can the subaltern speak? p.275)


Para ela, “o subalterno necessita de um representante por sua própria condição de silenciado”. Sendo assim, nesse específico contexto do filme em que o Estado não tem poder algum de cessar os fatos que ali ocorriam, podemos dizer que ele, assume automaticamente a condição de subalterno, perante os representantes do PCC, pois, já não pode mais falar, reagir, assumir o controle. Nesse momento o Estado precisa de alguém para falar por ele, ser representado, seu poder de voz some diante dos fatos e a única alternativa que tem é ceder aos chefões do crime organizado. Podemos notar aqui a mobilidade do poder entre os subalternos e o Estado. A inversão dos papéis.

Conclusão
Se houve a inversão dos papeis onde o Estado passa a ocupar o lugar de subalterno, será que os subalternos passam a ocupar o lugar do Estado? A resposta é NÃO. Os membros do PCC, mesmo num ato de extrema ousadia, deslocando a relação de poder, não oferecem uma contra hegemonia perante o Estado. Apesar de serem “organizados” entre si, não há organização social, ou um reconhecimento da sociedade perante essa organização. Sendo assim, os membros do PCC não deixam a condição de subalternos, apenas reafirmam suas posições de subalternos complexos.
Perante as raízes deixadas no Brasil desde o período colonial, sendo essas, reproduzidas e reforçadas a cada dia através da mídia e discursos hegemônicos produzidos pela elite, sair da condição de subalternidade, a meu ver, é uma utopia que esta muito longe de ser alcançada.

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