sexta-feira, 30 de setembro de 2011

RELATIVIZAÇÃO: UM MUNDO MÚLTIPLO – RENATO LESSA



                                             ANÁLISE E COMENTÁRIOS:


A percepção existente de que o mundo está a ficar cada vez mais homogêneo está presente nos dias atuais. A idéia e experiência da globalização através dos mesmos anúncios e símbolos que parecem se apresentar em todos os lugares veio a se reforçar desde o final do último século.
Neste período, principalmente na década de noventa, surgiu a idéia de final da civilização por conta da mudança para um novo milênio. Este processo cíclico, que já aconteceu outras vezes, era marcado pela idéia do final da história da humanidade. Isto significava que a humanidade finalmente teria concebido um modo de vida materializado nas instituições políticas das democracias ocidentais – com base na liberdade de imprensa, direitos individuais, divisão de poderes, controle sobre decisões políticas, liberdade de pensamento, etc. – como um verdadeiro pacote civilizatório, construído desde os séculos XVII e XVIII, que progressivamente ganhou consistência como passar do tempo. Já no século XX, este pacote teria se manifestado de modo que esse mundo liberal fosse o acabamento de todas as experiências anteriores da humanidade, como se todo esse processo histórico teria servido como experimento para a construção deste suposto modelo ideal vigente. Este pensamento trás a idéia de que nada além disso poderia acontecer, como se estivéssemos condenados a nenhuma nova experiência ou forma de organização da sociedade. Esta idéia foi trazida pelo Francis Fukuyama – a expectativa terminal de esgotamento da capacidade criativa dos seres humanos. Estas hipóteses fazem com que haja uma convergência na qual estamos condenados a reduzir o grau de diversidade que sempre nos caracterizou.
Esta idéia de terminalidade, que traz uma noção de que nenhum aperfeiçoamento é possível e que nenhum acréscimo pode ser feito, pode bem ser exemplificada se analisarmos a Idade Média, por sua duração e isolamento – fato que mostra bem esta realidade. Toda esta visão de mundo traz aos que atualmente “comem esta idéia”, a noção de perfeição que, voltando à idade média, só foi desmontada quando “o indivíduo” conseguiu enxergar que o seu potencial e existência poderiam mudar o mundo. O surgimento do indivíduo, que aparece a partir do século XV, se deu através do argumento de que este mundo é um mundo no qual a dignidade humana tem um papel muito forte. O que começou a se dissolver com estas novas idéias foi uma cobertura teológica política que limitava as possibilidades de invenção e redescrição da experiência histórica da humanidade em detrimento de uma nova visão na qual os indivíduos passaram a serem protagonistas da história.
A partir desse momento (o inicio da modernidade), o pensamento filosófico e social começou a dispor de uma hipótese nova a respeito da história humana que deixou de ser marcada pela fatalidade de uma orientação divina para ser um espaço da experimentação. Surge então o princípio da relatividade através dos estudos de Michael de Montaigne com a idéia de que a experiência humana no planeta é marcada por uma enorme diversidade. As diferenças entre civilizações começaram a ter uma nova visão: a visão de horizontalidade. Através do texto “Dos canibais”, ao fazer uma análise sobre uma tribo indígena do Brasil, Montaigne horizontalizou as avaliações sociais perante outras sociedades, fazendo uma análise crítica dos seus costumes comparando-os aos da sociedade européia. “Ou seja, não só o outro é diferente de mim (sem inferiorizar), me colocando na posição do outro, como chave analítica vantajosa para entender o que eu sou”. Este contraste de diferença é essencial para que se faça uma avaliação crítica. Os estudos das ciências sociais derivam destes estudos de Montaigne – se por no lugar do outro para se analisar. Depois de feito este estudo, Montaigne começou a ver a diferença dos poderes políticos entre as civilizações onde os índios ao menos tinham em seus “reis” as figuras mais fortes e os europeus uns verdadeiros “parasitas” no poder. Este contraste traz à tona a legitimidade política dos reis europeus que era determinada pelo uso da força, das crenças, das mentiras, etc.
Toda esta viagem ao passado e principalmente aos estudos de Montaigne feito pelo Renato Lessa nos mostra que a capacidade de invenção dos seres humanos, de modo algum pode ser cancelada por qualquer experimento social. Isto se mostra como antídoto a esta desistência. A humanidade já passou por tantos momentos históricos e regimes políticos agressivos e/ou autoritários que foram superados por esta forma de resignificar e transformar o meio social. O que pode ser mostrado como evidência de que esse projeto de monoculturalidade não terá êxito? A história é parte da explicação do porque nós somos diversos e é possível imaginar que esta capacidade de diversificação histórica tem haver com a nossa própria espécie. O ser humano, em relação à natureza, mostrou-se capaz de adicionar elementos e não repetir as histórias dos demais animais. Esta idéia remete ao pensamento de Pico della Mirandola de que dEUS determinou leis para as outras espécies e para Nós deixou o livro aberto. Esta estratégia dos seres humanos é da variedade e a prova é a presença da humanidade no planeta inteiro através de formas culturais diferentes. Estas diferenças nos acompanham há muito tempo que, mesmo no modo da hipótese de vivermos em um mundo que nos imponha as mesmas coisas, as mesmas regras de mercado, os mesmos padrões políticos, ainda assim nós nos mostraremos sempre diversos.
Há um aspecto que tem que ser adicionado que faz com que o tema da diversidade e da relatividade seja tão forte – que tem haver com uma característica específica do homem: o que caracteriza o ser humano? “Este é um animal que fala” (Aristóteles). E é a capacidade da linguagem que nos dá a possibilidade de descrever e anunciar o medo pelo qual se dá a sua inserção no mundo. Os fatos não falam. A junção disto fez com que fosse criada a ciência que, nada mais é do que a repetição sistemática de perguntas que os cientistas fazem aos seus experimentos. E através da linguagem nós construímos versões do que o mundo é – o mundo é fabricado linguisticamente.
A questão central desta problemática é: a diversidade, diferenças, a relatividade das coisas, o fato de que padrões culturais não se repetem, padrões mentais não se repetem, valores também não são repetíveis; há uma continua produção de novas formas de perceber a vida social. Tudo isto tem como fundamento o fato de que somos seres que utilizam a linguagem. Estas questões nos trazem a um ponto de reflexão do fato de que somos fabricantes de mundos e também portadores de versões diversas do mundo. Algumas versões contêm a todos; outras já são mais restritas; outras são exclusivas e individuais, que não dividimos com ninguém. “Nenhuma versão do mundo tem a legitimidade para determinar que outra versão seja errada, do ponto de vista da verdade”. O homem também é um ser que ignora outras versões de mundo. “Todos somos prisioneiros das nossas circunstâncias particulares. Não há o sujeito que possua a circunstância das outras circunstâncias. Este sujeito é o nomoteta. O que inventa os nomes é o que tem pretensões de domínio absoluto”. O não saber nos faz ignorantes – no sentido de ignorar outras versões. O único modo de alargar o ciclo da ignorância é a cooperação. Esta cooperação se dá através da política, da interação entre os seres, sair de si, da sua experiência pessoal produzindo o espaço publico, discutindo questões de interesse mais abrangentes. Aprendemos com os outros e para isso temos que ter um ambiente de liberdade com um arranjo institucional que permita/garanta que a maioria governe, sobretudo que as minorias tenham seus direitos, que sejam ouvidos e protegidos. Estas minorias devem ser escutadas pois podem conter sementes de idéias fundamentais e necessárias a sociedade como um todo. Uma sociedade decente é aquela que dá garantias de proteção constitucional, legal, às expressões das minorias. O limite para isso é a tolerância e nós não somos obrigados a tolerar os intolerantes. A minoria cuja identidade implica/exija a destruição da versão de mundo que acolhe como parte de si, esta infelizmente não pode fazer parte do jogo. A condição é aceitar o jogo como um todo, pois fazemos parte de um jogo onde outras visões de mundo estão presentes.
O mundo ta ai e continua diverso. O que complica é a condição de escuta dessa diversidade. Ao invés de observar o mundo a partir destes marcadores de homogeneidade, que a velocidade da observação nos induz a pegar, temos que praticar uma absorção lenta, tentando captar os sinais do que resiste – o que resiste é o diverso, o diferente, a variedade. O segredo todo é tentar associar esta visão de variedade com uma visão de que ao mesmo tempo não crie uma humanidade compartimentada, que não pode conversar, que não pode se entender. Devem ser valorizados também os fatores de convergência. Não estamos condenados a homogeneização absoluta nem à fragmentação total que impeçam a existência das conversas e da convergência.
Relativizar é quando deixamos de lado a visão preconceituosa e aprendemos a ver o outro como diferente, não mais como inferior ou primitivo. Percebemos que se trata de culturas diferentes que se convergem, cada uma com suas características específicas.



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