sábado, 17 de setembro de 2011

[Sessão] Regando o pensamento - Erva Mate!




      Passarei a escrever e trazer alguns textos subjetivos nesta nova sessão "Regando o pensamento - Erva Mate!". Nesta página estarão disponíveis diversos textos e argumentações sobre os estudos das subjetividades sociais, políticas, culturais e do pensamento humano.


"A importância do Lá ele


      O “lá ele” é uma das mais importantes expressões do idioma baianês, mais especificamente do dialeto soteropolitano baixo-vulgar. Segundo os léxicos, a expressão significa “outra pessoa, não eu” (LARIÚ, Nivaldo. Dicionário de baianês. 3ª ed. rev. e ampl. Salvador: EGBA, 2007, s/n).
      A origem da expressão é ambígua. Alguns etimologistas atribuem seu surgimento às nativas do bairro da Mata Escura, enquanto outros identificam registros mais antigos no falar dos moradores do Pau Miúdo. O certo, porém é que o “lá ele” desempenha papel fundamental em um dos aspectos mais importantes da cultura da primeira capital do Brasil – a subcultura urbana do duplo sentido.
      Desde a mais tenra infância, os naturais da Soterópolis são treinados para identificar frases passíveis de dupla interpretação. Da mesma forma, os soteropolitanos aprendem desde cedo a engendrar artimanhas para que seu interlocutor profira expressões de duplo sentido.
     Assim, as pessoas vivem sob constante tensão vocabular, cuidando para não fazer afirmações que possam ser deturpadas pelo interlocutor. Para indivíduos do sexo masculino, por exemplo, é vedado conjugar na primeira pessoa inocentes verbos como “dar”, “sentar”,”receber”, “cair”, “chupar” etc. O interlocutor sempre estará atento para,ao primeiro deslize, destruir a reputação de quem pronunciou a palavra proibida.
     Como antídoto para a incômoda prática, o “lá ele” surgiu como uma ferramenta indispensável na comunicação do soteropolitano. Assim, o indivíduo que falar algo sujeito a interpretações maliciosas estará a salvo se, imediatamente, antes da reação de seu interlocutor, falar em alto e bom som “lá ele!”
      Por exemplo, qualquer homem, por mais macho que seja, terá sua orientação posta em dúvida se falar “Neste Natal comi um ótimo peru”. Contudo, se sua frase for “Neste Natal comi um ótimo peru, lá ele!”, não haverá qualquer problema. No mesmo diapasão, confira-se:
    se um colega de trabalho enviar um e-mail perguntando “vai dar para almoçar hoje?”, não se pode redarguir apenas “Sim”; deve-se responder “Vai dar lá ele. Vamos almoçar”;
      se, na pendência do pagamento de polpudos honorários, um advogado perguntar ao outro “Já recebeu?”, a resposta deverá ser “Recebeu lá ele. Já foi pago”;
    ou, ainda, se alguém tiver a desdita a desdita de nascer no citado bairro do Pau Miúdo, o que poderá transformar sua vida em um interminável festival de chacotas, deverá sempre valer-se da ressalva: “eu sou do Pau Miúdo, lá ele”
       Para melhor compreensão da matéria, reproduz-se abaixo um exemplo real, ocorrido no último domingo durante a transmissão de futebol:
      - Locutor: “Subiu o cartão amarelo?”- Repórter: “Subiu o amarelo e o vermelho.”- Locutor: “Mas você está vendo subir tudo!”
      - Repórter: “Lá ele!”
      Note-se que o “lá ele” pode sofrer variações de gênero e número, de acordo com a palavra que se pretende neutralizar. Se, antes de uma sessão do TJBA, alguém perguntar “Você conhece os membros da turma julgadora?”, deve-se objetar com veemência: “Lá eles!”. Ou se o cidadão for à Sorveteria da Ribeira e lhe perguntarem “Quantas bolas o senhor deseja?”, é de todo recomendável que se responda “Duas, lá elas, por favor”.
      A cultura duplo sentido oferece outros fenômenos da comunicação interpessoal. Veja-se, a título de ilustração, o sufixo “ives”.
   Em Salvador, não se pode falar palavras terminadas em “u”, principalmente as oxítonas. Independentemente de sexo, idade ou classe social, o indivíduo poderá ser mandado para aquele lugar (lá ele). A pronúncia de uma palavra que dê (lá ela) rima com o nome popular do esfíncter (lá ele) será prontamente rebatida com a amável sugestão.
Para fazer face ao problema, a vogal “u” passou a ser costumeiramente substituída pelo sufixo “ives”.
Destarte, o capitão da Seleção de 2002 é tratado como “Cafives”; o Estádio de Pituaçu virou “Pituacives”; o bairro do Curuzu se tornou “Curuzives”; a capital de Sergipe sói ser chamada de”Aracajives”; e as pessoas que atendiam pela alcunha de Babu, com frequência utilizada na Bahia para apelidar carinhosamente pessoas de feições simiescas, há muito tempo passaram a ser chamadas de “Babives”.
“Autor tão desconhecido, quanto genial”


VISÃO SOBRE O TEXTO “O ESTUDO DO LÁ ELE!”






      Fazendo uma releitura do texto é possível compreender que se trata de um texto bem estruturado. Uma produção que, parece ser resultado de uma observação empírica. Quiçá produzido por um etimologista ou um antropólogo, um estudos de costumes ou cultura popular. Entretanto não deixa de ser o olhar do Eu culto, do Eu civilizado sob o outro morador da periferia, demonstrando uma linguagem da periferia, na qual o estereótipo é ressaltado "desde a mais tenra infância os naturas da Soterópolis são treinados são treinados para identificar frases passíveis de dupla interpretação. “O exótico da linguagem deferente de uma camada periférica da população" moradores da Mata Escura ou do Pau Miudo".
      É de tendência machista chauvinista e preconceituoso com uma pitada homofóbica para indivíduos do sexo masculino "vitória é coisa de chibungo". Demonstra ser fruto de um trabalho de um individuo de uma classe social diferente e que por falta de conhecimento mais aprofundado do campo de estudo, chega a uma conclusão partindo do particular para a generalização, tipo de analise de observação que pode, às vezes, distorcer o resultado do estudo.
      Da mesma forma pode se dizer que, também é uma das formas mais irreverentes do ato comunicativo do soteropolitano, o que não necessariamente é uma linguagem de baixo-vulgar, pois não percebo o uso em qualquer circunstância conversacional na fala diária dos habitantes de Salvador, outrossim só nos momentos de descontração e entre os seus pares .

Escritos: Roberto Mercês - Idéias: Roberto Mercês, Francini Ramos e Pablo Paiva


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