sexta-feira, 23 de setembro de 2011

REPRESENTAÇÃO POLÍTICA: FUNDAMENTOS E CRISE - RENATO LESSA

Link do vídeo da palestra:  http://www.cpflcultura.com.br/site/2009/11/23/representacao-politica-fundamentos-e-crise-renato-lessa-2/



COMENTÁRIOS E ANÁLISE SOBRE A PALESTRA:
REPRESENTAÇÃO POLÍTICA: FUNDAMENTOS E CRISE POR RENATO LESSA

As sociedades democráticas mundiais não vão bem, apesar do aumento das sociedades democráticas no mundo contemporâneo, de ocorrerem as eleições, etc. A idéia é refletir as formas atuais das diversas instituições democráticas fazendo a análise a partir do estudo de três questões importantes presentes no mundo contemporâneo, para as quais ainda não temos respostas claras, nem modelos e teorias:
1.      O papel da justiça na sociedade democrática com a judicialização da política;
2.      A vida nas cidades como espaço político – hoje todos nós praticamente somos urbanos, resumindo, em sua grande maioria, os problemas sociais aos grandes centros;
3.      Violência na sociedade como fruto do sistema sócio-político.
Nós definimos a democracia como um sistema político no qual ao menos o direito ao voto o represente bem. Devemos fazer uma distinção teórica entre a democracia e a representação política para analisarmos com maiores detalhes o paradigma atual. Voltando no tempo vemos que nem sempre a democracia e a representação andaram juntas pois, no passado, o conceito de democracia exigia ausência de desigualdade, presença de grande espírito cívico, estado com território pequeno, sendo estas formas de organizações inexistentes nas sociedades atuais. No sistema democrático, questões de ordem pública têm prioridades em relação a questões privadas. A democracia surgiu como um experimento que só ocorreu no passado em dois lugares: Atenas e Roma (em certo momento histórico). A característica deste sistema era o princípio de isonomia, que determinava que todos os cidadãos da assembléia tinham pesos e valores iguais nas decisões - o princípio de isonomia significa que, independentemente da posição social das pessoas, em reunião na assembléia, todos possuem o mesmo poder de decisão.
No sistema democrático de Atenas todos participavam diretamente das decisões políticas, não existindo uma representação figurada. Existiam tribunais que cuidavam de alguns assuntos específicos, para que não fosse necessária uma assembléia geral para a resolução de pequenas questões. Na escolha dos integrantes dos tribunais, por exemplo, os democratas radicais não queriam usar o sistema do voto, por enxergarem neste sistema, uma forma aristocrática de escolha onde os melhores seriam sempre os escolhidos. Aristocracia significa governo dos melhores e no ponto de vista dos democratas, uma sociedade com sistema político eleitoral deve ser considerada aristocrata e não democrata. Existia assim uma idéia de aleatoriedade (na escolha por sorteio) entre os que pudessem serem escolhidos para cumprirem as tarefas importantes para a sociedade e para as definições de leis.
No final do século XVIII, ocorreram dois fatos importantes para a mudança do sistema político mundial: a Revolução Americana em 1776 e a Revolução Francesa em 1779. Nestes contextos históricos surgiram as primeiras idéias de representação política. Antes destes eventos as formas de governo não eram representativas por ter parlamentos formados por membros da aristocracia agrária em que os mesmos não tinham funções de representação. Na Revolução Americana, não havia um sentimento de patriotismo no país e as pessoas, independente dos treze estados em se dividiam, se viam como ingleses que viviam na América. O grande fator determinante para a quebra do sistema colonial foram as arrecadações de tributos e em sua distribuição na sociedade. Feita a revolução os estadunidenses pensaram a respeito de qual sistema político adotariam. Na época o sistema mais “livre” era o sistema inglês, mas, por estarem se libertando justamente deste sistema, não seria viável utilizar o mesmo formato, surgindo assim uma idéia de criação de um novo sistema político. Partiram de uma análise dos princípios que não queriam para determinar o que queriam: democracia – por acharem ser um governo em que o povo determinaria o andamento do estado, por ser anárquico, etc; absolutismo – porque deste princípio eles estavam acabando de se livrar.
Pensaram então em um sistema intermediário onde a maioria ou todos escolheriam a minoria que iria governar. Vale ressaltar que não existia nenhum sistema político com estas características até então, um sistema distinto da democracia por considerarem esta, um sistema onde a população com o poder de legislar colocaria uma lei que lhe coubesse em particular. Assim, as leis e todo o sistema seria um somatório de egoísmos. Porém quem garante o não egoísmo entre os representantes? A partir do princípio de que os representantes levariam os interesses dos que os elegeram. Vemos assim um paradoxo por que este sistema ter como principal foco um isolamento em relação à sociedade, em que teriam tranqüilidade para as determinações e escolhas.
Como grande exemplo deste sistema de representação temos a República, por apresentar bem estas características. Diferente do que parece, o sistema representativo não é uma continuação da democracia. Não foi por questões demográficas que passaram a adotar este novo formato. As escolhas foram determinadas pelo momento político em que viviam onde se baseariam em eleições competitivas.
Para fazermos um estudo mais aprofundado do sistema político temos que levar em conta os fatores filosóficos e teóricos por ser  a política uma expressão sócio-cultural de toda uma população, não tendo como base apenas fundamentações concretas. É através das invenções que uma sociedade se configura, assim como foi a invenção da representação. Sendo assim, como a representação passou a ser confundida com democracia? “A representação é um filtro que impede que as massas deseducadas tragam para si, na política, os seus apetites selvagens” Renato Lessa. Para respondermos esta pergunta devemos analisar todo o contexto histórico da política a partir destas duas revoluções. A grande diferença entre os pensamentos da representação política nos EUA e na França, é que a primeira era com base na aristocracia - onde eram escolhidos os melhores – e a segunda, pela sociedade ser fragmentada e cada um ter suas particularidades (deixando assim os cidadãos “sem tempo para a política”) foi necessária a criação de uma classe política – seres que seriam responsáveis por cuidar do sistema política e suas determinações. Uma classe política profissional e “full time” – tendo o tempo todo dedicado à administração pública.
Ambos os principais pensadores das duas revoluções, o Emmanuel Joseph Sieyés da França e o James Madison dos EUA, tinham a idéia de que o representante é distinto da sociedade. Assim, o representante constitui o eleitor como o representado e o ato de produzir representantes (a eleição) nos coloca na posição de representados. Então por que democracia? Por passar a ser dado a um número maior de pessoas, a partir do século XIX, o direito ao voto, antes restrito a algumas classes. Assim o princípio de representação passa a ser democratizado. “Democracia deixa de ser pensado como uma forma de governo na qual o poder de alguma maneira é exercido através de uma ação direta e passa a ser pensado como um governo no qual as pessoas tem o direto de escolher quem irão governá-las” Renato Lessa. Ao ver o Renato Lessa trazendo este contexto, lembrei-me de um conto do Eduardo Galeano que diz:
“Outro dia escutei um cozinheiro que reuniu as aves: as galinhas, os gansos, os pavões, os faisões e os patos. E eu escutei um pouco o que o cozinheiro dizia para elas. Achei interessante e gostaria de contar a vocês o que eu escutei. O cozinheiro perguntava com que molho elas queriam ser comidas. Uma das aves, acho que era uma humilde galinha, disse: “Nós não queremos ser comidas de maneira alguma.” E o cozinheiro esclareceu: “Isto está fora de questão.” Eu achei interessante esta reunião porque é uma metáfora do mundo. O mundo está organizado de tal forma que temos o direito de escolher o molho com que seremos comidos. Dizem que é um mundo democrático, mas me pergunto até que ponto é democrático um mundo onde a soberania se converteu, a soberania dos países e políticos se converteu em um objeto de museu.”
Voltando a linha de pensamento, a concepção originária tinha como base um autogoverno, mas esta concepção ficou no passado. A concepção contemporânea é com base no sistema no qual as pessoas escolhes quem vão governá-las. Então é uma função baseado no hetero-governo e não no autogoverno. A participação política meio maluca que é a política secreta através do voto. Outros podem enxergar isto como um direito de restrição. Porém a que ponto a política deve ser discutida? Outro ponto é a introspecção política nos dias anteriores à eleição onde há a ausência da discussão para esclarecimento de todas as dúvidas. Não seria mais interessante discutir as idéias para um melhor esclarecimento? Caímos assim no erro da individualidade do pensamento político que desconsidera os princípios da valorização da diversidade de idéias obtidas através de um debate. É uma dupla face na qual o modelo de política está completamente subsumida na vida privada. Então este é o contexto em que o vocabulário da representação, antropofagicamente, engole o vocabulário da democracia onde cada vez em que pedimos mais democracia, na verdade estamos pedindo mais representação política. Partindo destes princípios chegamos ao modelo de Representação Burkiana que tem a idéia de que o mandato para ser exercido requer que o representante tenha liberdade. É a idéia de que o parlamentar não deve ficar preso, vulnerável a pressão das políticas da base. Ele tem que ter liberdade para o âmbito de atuação, geral para a sociedade. Sendo assim, há uma característica do fenômeno geral das democracias contemporâneas: o afastamento entre o sistema político e a vida social. Este afastamento pode ser medido pela apatia política, pelo desinteresse político, etc. A política perdeu a centralidade e, mais específico no Brasil, gerou o experimento autárquico onde o parlamento é uma autarquia que não necessita se comunicar com o mundo anterior, a não ser quando é do seu interesse. O sistema passa a ser então auto-suficiente, funcionando independentemente do mundo exterior. “Então o país tem este desafio: como podemos consolidar uma ordem democrática sem que canais de comunicação sobre o que a sociedade pensa (será que ela está pensando?) e como estes pensamentos podem ser vocalizados e transformados em referência para o debate público?”
Os partidos e parlamentares não têm feito isto deixando o poder de decisões restrito ao poder executivo. Assim o próprio conceito de representação passa a gerar um maior cuidado ao usarmos. Será a palavra representação, uma palavra apta a denominar ou designar este tipo de experimento?

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