sábado, 17 de setembro de 2011

O que é a Natureza Humana?





Em novembro de 1971 Michel Foucault se encontrou com Noam Chomsky em um programa da TV holandesa e ali debateram por cerca de uma hora o tema "Natureza Humana: Justiça Versus Poder". A transcrição do debate estava a algum tempo atrás disponível, em inglês, no site da Universidade de Chicago: http://www.uchicago.edu/research/jnl-crit-inq/foucault/foucault.chomsky.html.
Reparei, entretanto, que já não está mais lá e, também, não mais localizei nada a respeito na instituição citada.

Encontrei, todavia, uma tradução espanhola em http://www.intramed.net/UserFiles/Chomsky-2parte.pdf (mas apenas da 2a. parte, incompleta) como também o vídeo do encontro em http://www.youtube.com/v/hbUYsQR3Mes .

Não sei de tradução brasileira, de forma que insiro a minha aqui, mas somente da parte que julguei mais interessante (como diria o próprio Foucault, eis aqui, então, um desses desprezíveis cortes).




FONS ELDERS (moderador): Bem, talvez fosse interessante nos aprofundarmos no problema de estratégia. Suponho que aquilo que você chama de "desobediência civil" é provavelmente o mesmo que nós chamamos de "ação extra-parlamentar"?

CHOMSKY: Não, eu acho que vai além disso. Ação extra-parlamentar incluiria, vamos dizer, uma demonstração legal de massas, mas desobediência civil é mais objetiva que toda ação extra-parlamentar, naquilo que isso significa desafio do que é alegado, incorretamente no meu ponto de vista, pelo estado ao fazer as leis.

ELDERS: Então, por exemplo, no caso da Holanda, nós tivemos algo como um censo populacional. As pessoas foram obrigadas a responder perguntas em formulários oficiais. Você poderia chamar isso de desobediência civil, se alguém se recusasse a preencher os formulários?

CHOMSKY: Correto. Eu deveria ser um pouco mais cuidadoso sobre isso, porque, voltando para um ponto muito importante formulado por Foucault, as pessoas não necessariamente autorizam o estado a definir o que é legal. Agora, o estado tem o poder de forçar uma certa concepção do que é legal, mas poder não implica em justiça ou ainda em correção; então o estado pode definir alguma coisa como desobediência civil e pode estar errado ao fazer isso.

Por exemplo, nos Estados Unidos o estado declara como desobediência civil, vamos dizer, descarrilar um trem de munição que está indo ao Vietnã; e o estado está errando em definir isso como desobediência civil, porque é legal e correto e deveria acabar. É correto tomar medidas que irão evitar atos criminosos do estado, da mesma forma como é correto violar uma lei de trânsito para prevenir um homicídio.

Se eu parei meu carro diante um semáforo que estava vermelho, e então passei por este sinal para evitar que alguém, vamos dizer, atropele um grupo de pessoas, é claro que isso não é um ato ilegal, isto é uma ação apropriada e correta; nenhum juiz são convenceria você de erro na medida.

Da mesma forma, uma boa porção daquilo que as autoridades estatais definem como desobediência civil não é realmente desobediência civil: de fato, são situações legais, comportamento obrigatório de violação dos comandos do estado, que podem ser ou não ser comandos legais.

As pessoas tem que ter bastante cuidado sobre os chamados atos ilegais, eu acho.



FOUCAULT: Sim, mas eu gostaria de lhe fazer uma pergunta. Quando, nos Estados Unidos, você comete um ato ilegal, você o justifica em termos de justiça ou de uma legalidade superior, ou você justifica isso pela necessidade de luta de classes, a qual, é no presente momento essencial para o proletariado em sua luta contra a classe governante?

CHOMSKY: Bem, aqui eu gostaria de colocar o ponto de vista que é dado pela Suprema Corte Americana e provavelmente outras cortes em tais circunstâncias; que é tentar situar o acontecimento nos limites mais específicos possíveis. Eu achava que ultimamente faria muito bom senso, em muitos casos, acionar as instituições legais de uma dada sociedade, se dessa forma você estivesse golpeando as origens do poder e opressão naquela sociedade.

Entretanto, há grande número de leis representando certos valores humanos, os quais são valores humanos decentes; e tais leis, corretamente interpretadas, permitem que você possa desobedecer os comandos estatais. E eu penso que é importante explorar esse fato ...

FOUCAULT: Sim.
CHOMSKY: ... é importante explorar as áreas do direito as quais são formuladas corretamente e então talvez acionar aquelas áreas legais as quais simplesmente ratificam algum sistema de poder.
FOUCALT: Mas, mas, eu, eu...
CHOMSKY: Deixe-me dizer ...
FOUCAULT: Minha pergunta, minha pergunta foi esta: quando você comete um ato claramente ilegal ...
CHOMSKY: .... o qual eu considero como ilegal, não apenas o estado.
FOUCAULT: Não, não, bem, do estado ...
CHOMSKY: ... que o estado entende como ilegal ...
FOUCAULT: ... que o estado considere como ilegal.
CHOMSKY: Sim.

FOUCAULT: Você está cometendo o ato em virtude de uma justiça ideal, ou porque a luta de classes torna isso útil e necessário? Você se refere a uma justiça ideal, este é o meu problema.

CHOMSKY: Novamente, em muitas ocasiões quando eu faço algo que o estado chama de ilegal, considero que isso seja legal: isto é, eu considero o estado criminoso. Mas em algumas instâncias isso não é verdadeiro. Deixe-me ser bastante concreto e ir da área da guerra de classes para a guerra imperialista, onde a situação é algo mais clara. Pegue o direito internacional, um instrumento muito fraco, como sabemos, não obstante incorpore interessantes princípios. Bem, a lei internacional é, em muitos aspectos, um instrumento dos poderosos: isto é, uma criação de estados e seus representantes. No desenvolvimento do atual corpo de leis internacionais não houve participação dos movimentos de massa camponeses. A estrutura das leis internacionais reflete este fato, quer dizer, de o direito internacional permitir um alcance muito grande de intervenção na preservação das atuais estruturas de poder que definem elas mesmas como estados contra os interesses das massas que esperam ser organizadas em oposição aos estados. Agora, esse é o fundamental defeito do direito internacional, e eu acho, que estaria a justificar a oposição a aspectos do direito internacional como não tendo validade, tanto quanto os direitos divinos dos reis. São simplesmente um instrumento de poderosos para reter seu poder.

Mas, de fato, o direito internacional não se reduz a essa modalidade. E evidentemente existem interessantes elementos de direito internacional, por exemplo, incluídos nos princípios de Nuremberg e da Organização das Nações Unidas, os quais permitem, de fato, eu acredito, autorizar o cidadão a acionar seu próprio estado, em formato que este mesmo chamaria de criminoso. Não obstante, o cidadão está agindo legalmente, porque as leis internacionais também tratam de proibir a ameaça ou uso de força nos negócios internacionais, exceto em algumas circunstâncias muito específicas, das quais, por exemplo, a guerra no Vietnã não é uma. Isto significa que no caso particular da guerra do Vietnã, que em boa parte me interessa, o estado americano está agindo de forma criminosa. E as pessoas têm direito de parar criminosos que estão cometendo assassinatos. Apenas porque o criminoso pretende chamar sua ação de ilegal quando você tentar para-lo, isto não significa que sua ação assim seja. Um caso perfeitamente claro está no dos Documentos do Pentágono, o quais, eu suponho, você está a par.

Reduzido para o essencial e esquecidos os legalismos, o que está acontecendo é que o estado está processando pessoas por expor seus crimes. É o que está acontecendo. Agora, obviamente que é um absurdo, e alguém precisa prestar atenção para o que distorce um processo judicial razoável. Além do mais, acho que o atual sistema de leis ainda serve para explicar porque isso é absurdo. Mas se não servir, nós teríamos que nos opor a esse sistema de leis.

FOUCAULT: Então esse é o nome de uma justiça pura da qual você critica o funcionamento? Há uma importante questão para nós aqui. É verdade que em todas as lutas sociais existe o problema da "justiça". Para colocar isso mais precisamente, a luta contra a justiça de classes, contra sua injustiça, é sempre parte de uma luta social: demitir os juízes, mudar os tribunais, anistiar os condenados, abrir as prisões, tem sido sempre parte das transformações sociais tanto quanto elas podem se tornar ligeiramente violentas. No presente momento, na França, as funções da justiça e da polícia estão direcionadas para atacar aqueles que nós chamamos de "gauchistas". Mas, se a justiça é estática nessa luta, então serve como um instrumento de poder, e isto nos tira as esperanças que um dia isso acabe, nessa ou em outra sociedade, e que pessoas venham ser premiadas de acordo com seus méritos, ou punidas de acordo com suas faltas. Em lugar de pensar na luta social em termos de justiça, as pessoas têm é que enfatizar a justiça em termos de luta social (g.tr.).


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Noam Chomsky, professor de linguística e filosofia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Seus livros incluem Poder e Perspectivas: Reflexões sobre a natureza humana e a ordem social (1996), Ilusões necessárias: através do controle das sociedades democráticas (1991), e Teoria da estrutura lógica da linguagem (1955-56).
Michel Foucault (1926-1984) foi professor do Collège de France, filósofo, historiador, inúmeras obras traduzidas para o português, entre as quais: A história da loucura, As palavras e as Coisas, Vigiar e Punir, A História da Clínica.



RESENHA
DA NATUREZA HUMANA: JUSTIÇA CONTRA PODER



Resenha sobre o texto “Da natureza humana: Justiça contra poder” do livro “Ditos e Escritos” de Michel Foucault. Discussão com N. Chomsky, M. Foucault e F. Elders em debate na televisão holandesa gravado na École Supérieure de Technologie de Eindhoven, novembro de 1971.

           


SALVADOR
2011 
DA NATUREZA HUMANA: JUSTIÇA CONTRA PODER

O debate gravado em novembro de 1971 na École Supérieure de Technology de Eindehoven, na Holanda, conduzida de forma excepcional por Fons Elders que direcionou a linha de raciocínio dos entrevistados, constou com a presença do francês Michael Foucault – historiador, filósofo e professor do Collège de France – e do estadunidense Noam Chomsky – lingüista, filósofo e professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.
Este encontro teve como objeto a discussão sobre a verdade por trás da definição de natureza humana, dividida em duas partes: a primeira mais densa e concentrada em questões de natureza filosófica e a segunda concentrada em questões de natureza política – ainda que as duas coisas estejam sempre integradas. Seu desenvolvimento teve como base o seguinte questionamento: “somos produto de todos os tipos de fatores exteriores, ou possuímos uma natureza comum graças à qual nós nos reconhecemos seres humanos?”.
A partir deste questionamento inicial, F. Elders inicia propondo que os entrevistados associem a idéia central do debate, “natureza humana”, à suas especialidades, experiências e obras, relacionando-as com suas áreas de formação. Desta forma, ambos transcorrem seus comentários iniciais questionando, complementando, concordando ou discordando uns aos/dos outros – “Está ligado ao estado do conhecimento, do saber no seio do qual nós trabalhamos. A lingüística, que lhe é familiar e que o senhor conseguiu transformar, excluía a importância do sujeito criativo, do sujeito falante criativo, enquanto a história das ciências tal como ela existia quando as pessoas da minha geração começaram a trabalhar, ao contrário, exaltava a criatividade individual [...] (Foucault, 1971, p.109).
Chomsky começou associando a natureza humana a uma essência criativa, tendo como base o acesso a certo número de dados que são articulados e organizados pelos indivíduos inconscientemente, através de um código de abordagem. As propriedades desse sistema de conhecimento são denominadas “linguagem inata” ou “conhecimento instintivo”. “[...] a hipótese segundo a qual o indivíduo contribui em grande parte para a elaboração da estrutura geral e, talvez, para o conteúdo específico do conhecimento que ele definitivamente deriva de sua experiência dispersada e limitada.” (Chomsky, 1971, p.89). M. Foucault, ao longo de suas metáforas durante o debate, “concorda, discorda, ironiza” e se diz suspeito com esta noção de natureza humana, pois para ele as ciências têm conceitos e noções de diferentes graus de elaboração. Ele analisa a biologia em relação ao conceito de natureza humana e traz que, esta ciência, é elaborada, e estudada em diferentes formas (graus) – com funções de classificação, de diferenciação ou de análise – questionando se é possível o conceito de vida ser responsável pela organização do saber biológico. “Na história do conhecimento, a noção de natureza humana me parece ter desempenhado essencialmente o papel de um indicador epistemológico para designar certos tipos de discursos em relação ou em oposição à teologia, à biologia ou à história. Eu teria dificuldades em reconhecer nela um conceito científico” (Foucault, 1971, p.91).
Complementando esta linha de raciocínio, Chomsky fala sobre a evolução científica dos séculos XVII e XVIII considerando os limites (fatores epistemológicos) dos pensadores deste período, a partir de uma análise com base na sua compreensão atual. Ele compara a definição de espírito dada por Descartes, na qual considera científica e não metafísica, com a escolha intelectual de Newton, que determinou a ação da distância pela penetração do domínio oculto científico. Esta forma de análise de Chomsky foi muito combatida por Foucault durante todo o debate por ter como base em seu estudo a soberania do sujeito sobre o conhecimento. Para Foucault, a idéia de Descartes deve ser analisada como parte integrante evolutiva da história do conhecimento, desconsiderando nesta idéia a originalidade cartesiana. Ele atribui a visão de Chomsky sobre Descartes como sendo de origem da corrente agostiniana de pensamento cristão, onde pode ocorrer o desenvolvimento das potencialidades do espírito através do aprofundamento de si. “[...] analisar a capacidade produtiva do conhecimento como prática coletiva; e reinserir os indivíduos e seu conhecimento no desenvolvimento de um saber que, em dado momento, funciona segundo certas regras que se podem registrar e descrever.” (Foucault, 1971, p.98). Foucault diz que a verdade está escondida aos olhos dos homens pelos obstáculos do seu período que é reforçado por preconceitos ligados aos mitos, sendo a verdade revelada após a superação destes obstáculos.
Neste paradoxo sobre o conceito de natureza humana, Chomsky o define como sendo algo relativo a uma criatividade individual e independente da história do conhecimento. Em oposição, Foucault traz a idéia de que as criações são fruto do meio e das limitações do seu período de tempo – vistas por Chomsky como impulso ao desenvolvimento da criatividade. Chomsky complementa que estas limitações provam que as regras e a liberdade se implicam: “É precisamente essa limitação inicial de nossos espíritos a certo tipo de ciência que fornece a enorme riqueza e a criatividade do conhecimento científico [...]” “[...] Porque se tudo fosse possível, nada seria possível.” (Chomsky, 1971, p.105). Foucault faz uma analogia mais ampla onde a história do conhecimento influencia na proliferação das possibilidades por divergências, em um processo de transformação: “Diria, de preferência, que existem múltiplas maneiras de tornar simultaneamente possíveis um pequeno número de saberes [...]”. Diz só haver criatividade possível a partir de um sistema de regras independentes da natureza humana e enfatiza na valorização do estado da história do conhecimento como objeto, partindo do ponto de vista negligenciado. Ele traz associações em que o interesse no desenvolvimento de um determinado estudo, a exemplo do estudo da loucura ou estudo da causa de morte, é influenciado pelo meio e por suas necessidades sócio-econômicas. Em contrapartida, Chomsky reforça que a convergência e progressão da ciência se dão pela propriedade de nosso espírito, que se mostra dependente das limitações para desenvolver a criatividade. Para ele a compreensão da natureza do homem escapa ao alcance da ciência humana. Neste ponto vemos uma divergência entre os dois pensamentos onde um fala do conhecimento como objeto diversificado enquanto o outro vê o conhecimento como organização formal.
Na conclusão desta parte do debate, a parte filosófica, Chomsky coloca o behaviorismo em questão ao defini-lo responsável pela restrição da possibilidade de criação de novas teorias científicas de comportamento humano. Como um sistema de controle, o behaviorismo, na sua visão, se mostra interessante ao desenvolvimento destas limitações, por circunstâncias históricas. Ele o compara ao modo de análise exposta por Foucault, que defende a analise do produto como objeto para que não se tenha uma visão negligenciada. Chomsky é contrário a esta forma de análise por acreditar que a partir dela se desenvolveu os limites citados. Apesar da evolução dos argumentos e do debate, Chomsky reitera que esse processo de busca pela natureza humana é limitado por um conjunto de princípios desconhecidos que faz com que o assunto tenha uma abordagem abstrata e uma definição imprecisa.
Partindo para a segunda parte do debate, F. Elders leva as perguntas a um direcionamento mais político sem deixar o questionamento inicial, sobre a natureza humana, de fora. A princípio Foucault se recusa a responder sobre o porquê dele se interessar tanto por política em mais uma de suas ironias “Para lhe responder muito simplesmente, eu diria: por que eu não deveria estar interessado? Que cegueira, que surdez, que densidade de ideologia teria o poder de me impedir de me interessar pelo assunto, sem dúvida o mais crucial da nossa existência quer dizer [...]” (Foucault, 1971, p.111) “[...] Posso apenas responder-lhe perguntando por que eu não deveria estar interessado. (Foucault, 1971, p.112). Assim, após a resistência de Foucault, a questão foi direcionada a Chomsky que expressou a idéia de que a real natureza humana se manifestaria, caso fossem rompidas as barreias limitativas impostas pelo sistema arbitrário, opressivo e coercivo. Ele sugere que um modelo de sistema ideal teria um poder descentralizado, com livres associações incorporadas com outras instituições sociais e como sistema econômico. Este sistema, ele define como anarcossindicalismo, onde os seres humanos não seriam transformados em instrumentos, em engrenagem de mecanismo, não sendo tratados como elo da cadeia de produção. Após a idéia de Chomsky, Foucault diz não se ousar a propor um modelo de sociedade ideal. Na sua visão, as instituições consideradas neutras no processo anti-democrático, famílias, universidades e o sistema de educação em geral – que a princípio serviriam para disseminação do saber – atuam para manter o poder de uma determinada classe social. Estas instituições devem ser criticadas e atacadas fortemente para que sejam desmascaradas, possibilitando assim a luta contra elas. Ele defende que devemos indicar e mostrar todo poder político controlador, opressor e repressor.
Chomsky concorda com o raciocínio político exposto por Foucault e diz que as duas perspectivas devem ser consideradas válidas e urgentes – a tentativa de criar uma visão de uma sociedade futura justa e a de entender a verdadeira natureza do poder. Ele traz de volta a questão da natureza humana religando-a a uma estrutura social, em que suas propriedades possam realmente ser compreendidas criando assim uma vida humana mais significativa. Foucault vê este pensamento como perigoso, pois considerando esta natureza humana, sendo ela ideal e real, e que ela não teve espaço para se desenvolver em nossa sociedade atual, estaríamos definindo-a em termos apropriados à nossa sociedade. Ele o compara ao erro de Mao Tsé-Tung que distinguiu a natureza humana como burguesa e proletária. Chomsky traz a questão da necessidade e, conseqüentemente, o risco de se tomar medidas contrárias ao Estado. Ele define esta necessidade como desobediência civil, empreendida perante a incerteza sobre os seus efeitos, ameaça de um lado a ordem social podendo conduzir ao fascismo. Por outro lado corre-se o risco em não fazê-la. Ao praticá-la o ser, automaticamente, nega o estado e o considera criminoso. Em relação à definição sobre justiça, ele não a enxerga, diferente de Foucault, como um sistema de opressão. Para ele existem bases que residem nas qualidades humanas fundamentais que constroem a noção real de justiça. Estas qualidades fazem com que ele acredite na tomada de poder “justa” e não ditatorial da classe oprimida sobre a classe opressora em uma suposta revolução.
Foucault diz que esta consideração sobre o Estado é uma avaliação errônea sobre a justiça por partir do ponto de vista de uma justiça pura, em um processo de substituição sócio-político. Complementa que, na desobediência civil, o proletariado não faz guerra à classe divergente por justiça e sim pelo poder reiterando que, ao tomar o poder, o proletário pode exercer sobre a classe que ele acaba de triunfar, um poder violento e sanguinário como justiça própria. No interior de uma sociedade de classes o conceito de justiça funciona como reivindicação feita pelos oprimidos e como justificação dos opressores. A justiça é uma idéia inventada como instrumento de poder político e econômico ou como arma contra este próprio poder.
 A partir da leitura do texto “Da natureza Humana: Justiça contra o poder”, dos vídeos assistidos sobre o debate e documentários sobre ambos pensadores, concluímos que esta discussão sobre natureza humana é bem extensa, complexa e sedutora em ambas as linhas de pensamento. Foucault se mostra mais fechado e cético a questões metafísicas, baseando-se em informações precisas e empíricas, negando a suposta criatividade e materialidade do espírito como principal representante da natureza humana. Sua visão ultrapassa as barreiras ampliando a magnitude ideológica em sua relação à sociedade, partindo do princípio de valorização do conhecimento coletivo. Durante a entrevista Foucault se mostra como um “predador, pronto ao ataque de sua presa observando-a em busca do ponto ideal para atacar”. Chomsky nos traz bons argumentos políticos, mas falha ao tentar definir a essência da natureza humana sem mostrar uma posição precisa e empírica, às vezes remetendo a essências um tanto quanto religiosas (na sua origem). Achamos que seria muito mais interessante se pudéssemos ter um debate entre os dois, a partir da mesma linha de raciocínio, sobre o mesmo tema. Infelizmente Foucault faleceu em 1984 criando esta impossibilidade. Como foi dito por Chomsky no texto: “Muito bem, qualquer um pode considerar o que sabe hoje e se perguntar o que sabia há 20 anos, e ver que se esforçava confusamente para descobrir alguma coisa que compreende somente agora... se ele tiver chance.” (Chomsky, 1971, p.94) – temos certeza que hoje muitos assuntos, antes sem resolução, poderiam ser desenvolvidos através da evolução da história do conhecimento (durante estes anos) somada às experiências e conhecimentos adquiridos por ambos neste espaço de tempo. 


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